28.8.06

Gaiola


Ainda não sei a cor do caminho, mas vou...
Sem pressa, sem medo, sem pacote
E se ele estiver em flor, eu abro um sol
E se estiver nublado, aparo a queda
Eu vou ali comprar um batom
Tirar uma medida
Tomar uma média
E se ele for setembro, eu fevereiro
E se ele chorar, rabisco a lua
E se ele não for?
Eu nem metade
E se ele não aparecer?
Eu, sim, saudade...
E se ele for Caetano, eu canto o Tom
E se for amanhã?
Eu Djavan...
E se não for bem assim?
E se não for urgente?
E se não for prece?
Eu oração....
Eu busco um guia, carrinho de mão...
E se era pra ontem?
Eu já nem sei.
E se acabou?
Precipitei.
E se ele for saturno?
Eu sou de lua...
E se ele nem souber?
Porra, que intua!
E se desistiu?
Não leu os sinais?
Eu corro atrás.
E se for de mármore?
Eu, astronave.
E se voou?
Um novo amor.

Alyne Costa
Brumado, 28 de Agosto de 2006

21.8.06

Insone


Hoje a noite eu não estou conseguindo dormir...
Não é tristeza, nem alegria, nem gripe e tampouco alergia.
Hoje a noite eu fritei na cama, bebi água, deitei na cama.
Bebi água de novo, fritei um ovo.
Hoje a noite eu não estou conseguindo dormir.
Não ouvi música, quase não fumei...
Não brinquei no dicionário.
Não li poesia
Hoje eu perdi o sono, perdi como se perde uma vaga lembrança.
Perdi o sono de tanta esperança.


Alyne Costa
Brumado, agosto de 2006

16.8.06

Quintanista


Ando Quintanista de carteirinha...
Preenchendo de poesia as obviedades da vida!
Vendo poesia nos anúncios de farmácia.
Se me lêem, pois bem...
Se não o fazem, que há de mal?
Mas que escrevam...
Soltem as amarras de suas almas em versos.
A poesia é um antidepressivo sem efeitos colaterais.
E assim... Sinto-me inundada de silêncio.
Lanço olhares profundos ao mundo.
Esta minha alma-gêmea atrasada!
Que faço eu?
Faço versos, oras...
Não posso fazer mais nada.

Alyne Costa
Ssa, 26 de outubro de 2002

15.8.06

Cidade Primavera


Estou numa estrada sem horizonte a frente
Eu sinto faltar asfalto e chão
E meus sapatos dançam nos meus pés
Uma canção de jardim de infância

Preciso de um pouco de sal
Eu sinto falta de pressão
E minha janela não tem vista pro mar...
Tenho apenas vista pra escuridão

Estou numa estrada num velho Opala sem rodas
Meu desejo foi abortado pelos sapos e pelas rãs
Mas eu me sinto inocente e feliz
Eu tenho desejo de algodão-doce

Preciso salvar a vida do meu amigo
Ele é alguém que merece o amor
Ele pensa em ser biólogo e desenha a vida
Eu acredito na forma dele amar

Estou numa estrada pra algum lugar distante
Eu vi a face do sadismo e fiquei feliz
Que bom que nunca consegui ser assim
Eu nunca joguei flexas ao acaso
Eu nunca despedacei corações
Eu nunca vi alguém chorar por mim

Estou numa estrada e levo um menino
Eu estarei forte pra lhe dar abrigo
Eu lhe ensinarei os sinais de um verdadeiro amigo
E só a ele renderei meu amor

Estou numa estrada com chuvas e nuvens violetas
Eu vejo o sol se por no fim das mentiras
Eu vejo as montanhas aparecerem escondendo a hipocrisia
Meu retrovisor traz pintado um escudo

Eu ouço no rádio do carro a voz de um amigo ao telefone, ele está feliz!
Ele antes era mudo porque temia ferir
Ele ligou de cartão e isto é prova de amor.

Eu vejo que é possível percorrer a estrada...
Eu, a criança e o caminho que sonharmos juntos.
Eu vejo que esta estrada em si é um paraiso
E a criança ri de andarmos sem rodas

Estou na estrada e avisto cavalos
Eu vejo belas mulheres nuas sobre os cavalos
E vejo Você, ensandecido, derrubando cavalo por cavalo em sua motocicleta.
E saciando sua sede nas lindas mulheres nuas.

Estou numa estrada e limpo a poeira que cegava
As suas mulheres todas desapareceram
Restou a poeira cobrindo seus olhos
Você me deixou passar e não viu...
Que em cada uma daquelas mulheres havia Eu!

Estou numa estrada e vejo um viaduto
O menino sorri do arco-íris no céu
Reapareceram o asfalto e a sinalização
Vemos a placa: Bem Vindos à Realidade

Estou chegando numa nova cidade
Bem podia ser na Dinamarca porque sinto que há algo de podre no ar...
Mas o que é podre deteriora...

Estou chegando numa nova cidade e é noite
Está cheia de luzes de inspiração,
Cidade Primavera, Cidade esperança, Cidade Gratidão
O menino pede pra comprar doce de leite
E uma velha senhora me oferece margaridas.
Eu lamento, ma ainda não temos dinheiro
Ela apenas ri sem dentes: Estamos numa nova estação.


Alyne Costa
Salvador, setembro de 2002

A Lágrima, o Espelho e Eu


Ainda não deu tempo de ter saudade
Ainda não deu tempo de parar pra pensar
De doer tudo que há pra doer
De chorar quando o leite todo já derramou
Fostes como chegastes: Sem certeza alguma
E assim sem pressa... Sem muita explicação
Restaram-me a lágrima e o fosso da tua ausência
Estou como esta lágrima que rola na face sem timidez
Que cai do meu rosto na rua, em plena multidão
Estou como o lixo escondido embaixo do tapete
Ainda não deu tempo de abrir o gás
Ainda não deu tempo de limpar a casa
De ir embora pra onde der pra ir
De olhar pro lado e ver um riso novo
Sempre fostes metade! Parte tua vagava pelo abismo dos medos
E assim sem pressa... Sem entrega plena...
Restaram-me a lágrima e a cadeia da minha própria liberdade
Estou nas grades sem querer sair
Sem forças ainda pra andar pelas novas estradas acima das montanhas
Restaram-me a lágrima o espelho e eu
Eu... Buscando compreender o que ainda sou
Eu... Buscando dimensionar o que posso ser
Eu... Buscando aprender com o que fui um dia
Restaram-me a lágrima, o espelho e Eu!

Alyne Costa
Salvador, agosto de 2002

Gente Sem Dente


“Gente sem dente
Vivendo contente
Fazendo repente”*
Gente que sente
Vive diferente
Todo mundo contente
Sem o dente da frente!
Gente que sabe viver inocente
Pula na roda da vida gente
Gente que encanta e males espanta da porta da frente.
Desenha um sol poente
Um mundo envolvente
Um sonho crescente
Gente que pinta sorriso na boca da gente sem dente!

Alyne e Hélio Filho
começo de 2001

Aquela Janela


Aquela janela pra vida mais uma ferida cicatriza.
Batemos bem forte nas portas, enquanto de portas abertas, a vida nos espera.
Que o convite ao prazer é a arte de ser paciente.
Esperar sem murchar o sorriso.
Porque a alegria nunca morre.
E é preciso saber sorrir.
Porque a alegria é expressão facial da vida.
E a vida passa pela fresta da porta e nunca está no fim do corredor.
Enquanto meus poros se exaltavam em vão e quantas vezes dilatei a aorta, esquecida que já aberta estava a porta.
Aquela janela pra vida era o meu coração.

Para Alan Andrade, 14/07/92

Labirinto


Fiz teu o reverso do meu verso.
Te fiz cantiga e fecundei teu tom.
E, dissonante, onde te julguei jasmim.
Incensei meu corpo, fada...
Suave aroma de alecrim.
Mas meu cansaço ante a indiferença.
Da melodia sem poder voar
De quem puxa a corda e não deseja o mar.
Tornou-me chaga dessa dor, enfim.
Semeei no asfalto gotas de esperança.
Soltei meus sonhos.
Valsei na contradança.
E sopro de vida de mim saiu.
Que a noite, quando há lua, me conduz a labirintos.
Onde me embebedo só pôr ser luar.
Que toda mulher é também satélite.
E a cada eclipse que me refletiu,
Guardo no peito o girassol aflito,
De um bem-me-quer que não se permitiu.


14/07/92

Sua Ausência


Sua ausência me traz vazios
Me queimo em cinzas
Ardo em calafrios
Sua ausência dura mais que um dia
Acendo incensos, velas
Zelo as horas em agonia
Sua ausência me preenche e me faz oca
E, nua no armário, abro um guarda-chuva
Sua ausência me corrói e me faz louca
E queimo vestidos num ferro de passar
Sua ausência me traz bebedeiras e transes
E me rouba qualquer verossimilhança
Sua ausência me traz suores noturnos
Me faz dar flores aos porteiros
Me faz ligar pro auxílio-suicídio
Me faz criar códigos e romper leis
Sua ausência me faz atrasar as contas
Me traz analogias entre Duchamp e Forest Gump
Sua ausência é cirurgia sem anestesia
Eutanásia de amor
Desperdício de licor
Sua ausência me faz reler Camões
Me torna histérica e inconstante
Sua ausência é uma droga barata
Posto que aprendi e não sei mais errar
Essa vida que é dobra de tua alma
Estrada sem luz pra um inverno: Amar.

Alyne Costa
Salvador,março de 2005

13.8.06

Tez


Quisera eu ter encontrado tua certeza.
A estrada da realeza em teu amor.
Que horror, meu Deus, é nua tua beleza.
Crua e louca, um estupor.
Quisera eu inventar um sinônimo pra mucosa.
Pôr no poema a transcendência de quem goza.
Mas a proeza de tua tez morena.
Não cabe na brevidade do mais belo poema.

Alyne Costa, 1989

Parto da Poesia




Quando a poesia quer nascer...
Quantas páginas de papel se rasga?
É que a alma do poeta é feita de retalhos.
Da multidão que ele carrega.
Quando a poesia quer emergir...
Quantas folhas do caderno se arranca?
É que o poeta é um monte de farrapos, feito das várias
emendas que o tempo cria e destrói.
Quando a poesia quer nascer, ela invade, viola o poeta.
Seca a lágrima que quer cair.
Emudece o riso que quer implodir.
Turva os olhos.
Seca a garganta.
Desmente a palavra santa.
Nasce e pronto!
E eis o poeta sentindo a dor do parto...
As contrações.
Quando a poesia nasce, não tem resguardo.
Poesia não tem quarentena.
Não tem dissabor que emudeça o poeta.
Não há mordaça que cale seu canto.
Nem desespero que esterelize seu encanto.
Basta esta lua nua e solta no céu.
Cheia das fases que Deus lhe deu.
Basta qualquer lembrança vaga na mente.
Qualquer dessabor lembrado de repente.
Basta esta lua apenas, mirada entre as grades.
Repleta da luz que Deus lhe deu.
Quando a poesia invade o poeta.
Basta qualquer coisa grávida.
E a poesia nasceu.

Alyne Costa
Salvador, fevereiro de 2003