14.3.07

A Voz do Mistério


Uma voz misteriosa atordoou meus ouvidos. Apresentou-se em várias cabeças. Um monstro? Um anjo? Um arlequim? E falava um idioma novo, recheado de improviso. E emendava idéias, gírias e onomatopéias. Eu? Atônita, tonta e lânguida. Uma centopéia de tamanco passeado no jardim. É que uma voz não se pega, guarda em cofre ou emoldura. E o que a voz diz revela a essência numa doce transparência sem nome, identidade, código ou sinal. Um dia era um cego que via muito bem... Outra vez um entregador de pizzas. E surgia seresteiro... Eu queria sacada, janela e toalha bordada com um jarro de rosas vermelhas como em cidades do interior. A voz saía de um vulcão que explodia em lavas coloridas e me abatia os sentidos. A voz era um bálsamo, um enigma, um desafio... A voz dizia tudo que eu queria ouvir. Quebrou-se em vitral e me mostrou mil faces. Eu? Uma viuvinha carregando folha no jardim. Não sabia quem era o homem.... Seria o homem? Seria a voz? Seria o dito? Seria a voz do homem como um dito, um rito em mim? Quantos eus? De quantos enigmas pode se fazer uma paixão? Bastou-me a voz, música da alma... E, fosse eu Rapunzel, lhe atirava as tranças. Não importava o semblante, a cegueira, a idade, a pena cominada, a careca, a insanidade e a overdose de fugas... Eu queria era pegar carona na nuvenzinha e entrar no seu céu... Porque bastou-me o dito pra entrar na caverna de um desejo. Eu queria na garganta aquela saliva santa que me dizia: Flor, pirâmide e poesia. Misteriosa voz que me fez amar em um só todos os homens do mundo... Os vivos e os mortos. Os santos e os encapetados. Os filósofos e os estivadores Os políticos e os professores. Os artistas e os operários. Os domadores e os trapezistas. Os que foram e os que ficaram. Todos os homens do mundo no armário da minha mente. E eu? Joaninha passeando pelo jardim. Misteriosa voz que acendeu a chama da minha ternura. Por você eu iria a qualquer canto: Índia, Jamaica, beco, gueto ou alçapão. Te levaria lírios na prisão. Te lavaria a batina após a missa. Te abraçaria a nuca e beijaria os lábios... Pois as palavras-canções que jorravam de tua boca caíram todas no lago do meu coração. E eu? Borboleta na caixa vazia da minha imensidão. Espero melancólica... Se eu perdi a voz, você há de arrancar os cabelos.... Se eu perdi a graça, você há de queimar de saudade. E se foi de verdade, tem volta... Que beija-flor não pousa num jardim?


Alyne Costa

Salvador, 2003

Um comentário:

Braga e Poesia disse...

o mundo feminino é para nós homens lugares para serem explorados e eu digo em todos sentidos, esse texto é de uma feminilidade a toda prova e eu homen só posso me apaixonar e perguntar
- Qual beija flor se ousaria não beijar seu jardim?