27.4.07

O Menino e o Mundo ou O Mundo e o Menino




O Atlas descansa com o sono do menino...
Como se o mundo pudesse ser fechado.
E não houvesse as capitais.
Embora um mundo de mistérios sonhe com o menino.
Bahia, Minas, Amazonas, Japão e Grécia.
Tão menino e já conhece o mundo....
Êta mundo velho de meu Deus!
Tão velho e não conhece o menino.
E o menino dorme sua santa paz.
Nem sonha a quantas anda o mundo...
Mais peralta que o menino.
Ah, desde que o mundo é mundo, Clarismundo:
O mundo é um velho....
Eterno como um menino.

Igaporã, 2003
Para meu filho, Victor

20.4.07

Sobreviventes

Cabeça de Alho, by Alyne Costa, 2007




Perguntas sobre um abismo:
Eis-me.
Perguntas sobre lei.
Nada sei. Finjo. Desvio. Confissão.
Padre, missa. batismo, lua, concepção...
Perguntas sobre o horizonte:
Fonte.
E um doce saboroso surge dentre as louças da prateleira.
Um vinho do Porto.
Mares.
Naufrágios.
Resto-me inteira.
A boiar sobre cada questão.
A enfrentá-las despida da fera que me habita.
E se não me perguntas nada, nada sou.
Passo a habitar o labirinto dos mistérios que me transbordam.
Calo-me, catatônica.
E me apresento em paisagens camponesas.
E, talvez, em destrezas de miragens.
E se perguntas demais, me sobro aflita.
Eu não sou inventada, nem rasa.
Sou mulher, profana e insana.
Tantas vezes distante.
Noutras te enlaço.
Como se aquele passado fosse tão somente o passo.
De um baile absurdo que desfila entre nossas sementes.
Entre o desejo insano que crava os dentes.
E que grita aleluia, por sermos amantes...
Sobreviventes!

Brumado, 20 de Abril de 2007
Alyne Costa

Para C. A. P. J.

14.4.07

Das Esperas

Peneiras, by Alyne Costa 2007


Ora apresento-me numa fragilidade ambígua
Noutras me dispo e renasce uma víbora
E sem muitas profundezas, douro frases em cascatas
A plenitude das gueixas
O calafrio das mulatas
E atitudes, colho várias
Minha meiguice talhada a canivete
Minha doçura
Minha bandeira
Meu brinquedo antigo
Aquele amor guardado num lenço perfumado
A minha santa histeria
Minha sagrada alegria
Voando na contra-mão do destino que rabisquei a lápis
E sou feita ainda de tantas perguntas.
Um rascunho num pedaço de papel de pão
Paixões bordadas num embornal
E se quase nada respondo é que aprendo a ouvir
Com olhos, tato e coração
A minha santa não é casta, é vasta
E o meu amor é um féretro com tulipas
Dos sonhos em sepulcro
Das flores que enfeitam calvários
E de repente, me invadem ondinas
A luz da lua que revigora as meninas
E passo a pular amarelinha
A fazer com miçangas pulseirinhas
E visito as Igrejas, acendo incensos
E comungo, resmungo, excomungo
Essa parte é pública
A timidez é notória
Sou uma com certa dúvida
E várias com mil histórias
Não quero meus versos em molduras
Quero-os nas bocas das mais vis criaturas
Quero-os férteis, clandestinos e cretinos
No requebro das moças, no assobio dos meninos
Quero-os ponte pro que não me tangencia
Luz da lua e estrela guia
Quero parir poesia
Dançar com sílfides e gnomos
Despir-me à lua cheia numa rede
Cobrir-me de ostras
Virar mosaico
Quero-me divida em letras e cacos
Dispersos ao vento que sopra do cais
Para que quando me encontrares
Não haver nem sobras
De tantas esperas, rodilhas e quimeras.

Alyne Costa
Brumado, 14 de abril de 2007

13.4.07

Fora de Foco

Carnificina by Alyne Costa


Fora de Foco

E se eu te parecer estranha
Não se irrite
Se aparecer tristonha...
Só assiste
E se faltar paciência
Dê limite
Se franzir a testa
Um palpite
Posso estar fora de foco
Posso ter perdido a rota
Pode ter mudado a lua
Pode ter chamado a rua
E se eu esquecer a chave
Pouse a carícia
Se eu sequer acordar
Pura delícia
E se der de dar a louca
Busque malícia
E se de vez sumir
Chama a polícia
Posso estar à beira mar
Posso estar num cativeiro
Ou num banho de chuveiro
Procura pelo céu inteiro.

Brumado, 13 de abril de 2007

Alyne Costa